06 julho 2006

Choque de civilizações ou de mentalidades?

(Abril de 2006)
Vivemos numa época de conflitos culturais, entre civilizações cujos valores dominantes se mostram cada vez mais incompatíveis. O conflito israelo-árabe é o foco mais visível desta incompreensão mútua, mas há muitos pontos do globo onde se agudizam crises, em torno das quais se torna clara a existência de um conflito de mentalidades. Estas tensões são provocadas, em parte, pelos resultados de uma penetração da “cultura ocidental” em algumas sociedades, que apesar de muito tradicionalistas, dispõem das mais avançadas tecnologias civis e militares.

Uma caricatura do mundo actual

A sucessão de actos violentos que se seguiu à publicação, no jornal dinamarquês “Jylland Postem”, de um conjunto de caricaturas do Profeta Maomé, (tal como o próprio acto da publicação desses desenhos), evidenciaram um fenómeno psicossociológico de dissonância cognitiva, que se manifesta numa incompreensão mútua, entre culturas cujos valores dominantes parecem, mais do que nunca, estar em rota de colisão.

Por um lado (e apesar da diversidade das suas formas de culto), os muçulmanos de todo o mundo respeitam o princípio de que não é lícito representar o Profeta, para evitar a idolatria. Por outro, as pessoas dos países ocidentais não conseguem compreender os fundamentos de tais convicções, devido às suas concepções sociais.

Alguns líderes muçulmanos instrumentalizam, de certa forma, a crença religiosa dos seus povos, para realizar objectivos políticos, o que pode ser encarado como algo ilegítimo, num ponto de vista ocidental. Mas o individualismo, valor que o ocidente defende intransigentemente, na sua concepção de organização política e social, não é relevante, do ponto de vista do Islão.

Para o mundo ocidental, a liberdade de pensamento e expressão, aliada à liberdade de culto, são, no seu conjunto, a razão ética do Estado de Direito, fundamento das democracias “de tipo ocidental”. Por outro lado, a Declaração Islâmica dos Direitos do Homem exprime uma “liberdade de ser muçulmano”, conceito que não é facilmente perceptível para a mentalidade dos ocidentais. Desta forma e segundo esta interpretação da fé corânica, a liberdade de consciência fica circunscrita a um quadro restrito, que é o da Sharia, ou lei religiosa. Como tal, uma ofensa religiosa pode ser entendida como ofensa política.

Alguns países, como o Irão, a Arábia Saudita, ou a Nigéria, entre outros, têm Tribunais Islâmicos, que aplicam a justiça com base na interpretação dos textos do Alcorão. Este “código penal de inspiração divina” inclui castigos corporais e mutilações, invocando o princípio de que os crimes religiosos não devem ser separados dos crimes de delito comum, pois ambos são lesivos para a humanidade, de uma forma geral.

Algumas correntes islamistas pressupõem, numa interpretação integrista dos textos religiosos, que a religião e o estado não se podem separar. Porque estas duas entidades são, no seu entender, as duas perspectivas da existência e da organização das sociedades humanas, perante Deus.

A diferença que há, entre ambos os lados, para ver a mesma realidade, é proporcional à diferença dos padrões culturais. Assim, não estaremos a viver um choque de civilizações, mas sim perante um enorme conflito de mentalidades. Que se reflecte nas tensões que se verificam, actualmente, no sistema internacional de relações de poder.


Nuclear, petróleo, ou economia? A questão iraniana

Ao longo dos últimos 60 anos, a preocupação em encontrar fontes energéticas alternativas aos combustíveis fósseis tem dominado a agenda dos governos de todo o mundo. Entre as alternativas para a produção de energia eléctrica em larga escala, muitos países têm apostado na tecnologia nuclear. No entanto, a ténue barreira que existe, entre tecnologia nuclear civil e militar, tem-se mostrado objecto de grande preocupação por parte dos líderes mundiais.

Nos primeiros meses de 2006, a questão que suscitou maior atenção, por parte dos meios de comunicação, foi a decisão iraniana de retomar o seu programa de enriquecimento de urânio, à margem das recomendações da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) e do Conselho de Segurança (CS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Esta atitude fez subir de tom as críticas da maior parte dos países, mas s proposta de imposição de sanções por parte dos Estados Unidos da América (EUA), não reúne o consenso da Assembleia-geral (AG) da ONU. A China e a Rússia não parecem dispostas a legitimar a imposição de medidas demasiado musculadas à República Islâmica.

Alguns teóricos, como Krassimir Petrov (ver caixa), insistem na ideia de que as preocupações dos EUA, quanto às actividades nucleares deste país, são um pretexto para enfrentar, de forma militar, ameaças de ordem política e financeira. Petrov afirma que o governo americano poderá recorrer ao uso da força se o Irão levar a cabo uma anunciada restruturação da política energética, que passa por negociar as suas exportações de petróleo tendo por referência a moeda europeia, em detrimento do dólar americano.


Declarações de Chirac legitimam argumentos do Irão

Na actualidade, o país que mais utiliza esta fonte de energia, para fins civis, é a França, onde as centrais nucleares representam 80 por cento da produção de electricidade. Este país é também detentor de um arsenal nuclear oficial, tal como os EUA, a China, a Rússia e o Reino Unido. E, tal como os demais, mantinha uma postura discreta em relação às suas armas nucleares. No entanto, as últimas posições manifestadas pelo presidente francês, Jacques Chirac, num discurso dirigido ao contingente militar estacionado na Central Nuclear de Île Longe, no início de 2006, reacenderam a polémica em torno do seu próprio arsenal nuclear.

Chirac afirmou que “os estados movidos pela tentação de usar armas de destruição massiva ou o terrorismo contra a França, deverão abandonar essas ideias, porque [o exército francês] responderá com armas convencionais ou de outra natureza”. A posição assumida pelo chefe de estado, ao afirmar que a dissuasão nuclear “é uma garantia de segurança” e a “expressão derradeira duma estratégia de prevenção de conflitos” causou algum desconforto na comunidade internacional, sobretudo nos seus vizinhos alemães, que reagiram prontamente a esta mudança de discurso na posição francesa. Tais afirmações, nas palavras de John Wolfstahl, conceituado analista do Centro de Estudos Internacionais de Washington, “enfraquecem os argumentos usados pelos europeus para contestar ao Irão o direito de se dotar dessas armas”.


A bolsa de petróleo iraniana e a "morte do dólar"

Krassimir Petrov e a “economia dos impérios”



“A economia dos EUA poderá entrar em colapso, arrastando consigo a economia mundial.” A afirmação é de Krassimir Petrov, PhD em Finanças Internacionais e professor de Macroeconomia e Finanças na Universidade Americana da Bulgária. Este autor afirma que o factor económico que sustenta a actual conjuntura é a manutenção do dólar como única moeda de pagamento do ouro negro.

“Todos os estados-nação tributam os seus cidadãos, ao passo que um império tributa os restantes estados-nação”. Petrov, na sua tese da “economia dos impérios”, classifica os EUA como um império, mas diferente dos que o antecederam, porque, “pela primeira vez na história, os EUA puderam, através da inflação, tributar o mundo de um modo indirecto, levando os países a aceitar dólares em permanente depreciação, em troca de bens económicos”.

O acordo de cooperação económica que os EUA celebraram com a Casa Real Saudita, garantiu que, daí em diante, apenas a sua moeda seria usada nas transacções de petróleo. Com este acordo passou a haver uma razão objectiva para se fazer reservas em dólares. "porque o mundo precisa de crescentes quantidades de petróleo, a procura de dólares só poderia aumentar”. Assim, perante o crescente interesse de países como a Rússia, a China ou o Japão em fazerem reservas em euros, protegendo-se da desvalorização do dólar, a abertura de um mercado petrolífero com transacções em euros poderá ter graves consequências para a economia dos EUA, o que, por arrasto, poderia ser devastador para a economia mundial.



J.A.S.